Começo do processo com envio do dossiê

21 de setembro de 2009

Greve dos carteiros

O texto abaixo foi publicado na Folha de Pernambuco, analisa a questão da greve dos carteiros e a relação entre governo e sindicato.


21/9/2009
Bom senso, senhores carteiros
José Paulo Cavalcanti Filho

AGOSTO. O Supremo acabou garantindo, em 05.08.09, o monopólio dos Correios. Uma decisão estranhíssima. Porque essa atividade simplesmente não integra a relação fechada dos cinco monopólios da União, previstos na Constituição (art. 177) - que apenas referem petróleo, minério e minerais nucleares. E porque o argumento mais citado, pelos defensores da tese, não é jurídico - o de que, sem esse monopólio, os Correios iriam quebrar. Seja como for, o julgamento dessa ADPF resultou apertadíssimo - 6 X 4, a favor do Governo. E vale o que está escrito.

SETEMBRO. Os 27 sindicatos dos Correios estavam só esperando por isso. E já decretaram nova greve. Bem visto, no serviço público, tudo conspira em favor de greves. Dinheiro não é problema; que a contribuição sindical, desde a CLT (art. 578 a 591), garante a Centrais Sindicais e Sindicatos os suados reais de todos os trabalhadores - tanto dos que querem ser filiados (muito justo), quanto daqueles que não querem (um escândalo). E nem trabalho têm de arrecadar, que o Governo faz isso por eles - dado que o dinheiro recolhido (Leis 7377/85 e 9261/96) é logo posto à disposição das lideranças sindicais. Sem contar generosíssimas verbas, transferidas por numerosas agências estatais para atividades livres, sem maiores fiscalizações. De resto, no serviço público, ninguém é punido. Nunca. Faça o que fizer. Por conta disso os dois pontos mais relevantes nas pautas de negociação, sempre atendidos pelo Governo, são o não desconto dos dias parados e a não punição para os envolvidos no movimento. Sem notícias, no Brasil, de que qualquer grevista tenha jamais pago por algo que tenha feito. Assim é fácil. Uma “garapa”, como dizíamos em nossos tempos de criança.

No caso dos Correios, a decisão do Supremo foi o estopim bem-vindo para fazer mais uma greve. Porque, caso estivessem ditos serviços postais sob o regime da concorrência livre, e poderíamos usar empresas privadas. Só que sagrado o monopólio, e sem disposição no Governo para atuar contra qualquer sindicato, às vésperas de uma eleição presidencial, e simplesmente não temos como escapar. Fica, na boca, o travo amargo da sensação de nos sentirmos indefesos. Reféns. Não foi para isso, com certeza, que o Supremo assegurou esse monopólio. Mas há sempre distância entre intenção e gestos, senhores meus. E segue a vida.

No fundo essa greve, como tantas outras que assistimos impotentes, tem o rosto do autoritarismo disfarçado de democracia. Uma falsa democracia, pois. E não é fato isolado. Nas rodovias, nas ruas de nossas cidades, quase todos os dias, vários grupos atravancam o trânsito para protestar sobre qualquer coisa. Sem serem incomodados pela polícia. Convertendo nossa vida em um inferno. Na última passeata que assisti em Paris, o horário e o percurso da manifestação foram comunicados antes, nos jornais, permitindo que, para ir ao trabalho, ou a um hospital, possamos alterar nossos caminhos. Aqui não. Vale a truculência. E a impunidade.

Não é cômodo fazer esse tipo de crítica. Porque greve, como o direito a manifestações públicas, são conquistas democráticas. Sem contar que nossos trabalhadores foram sempre espoliados, nesse capitalismo selvagem que ainda vivemos por aqui. Tudo nos levaria, pois, a apoiar suas reivindicações. Mas, no papel de reféns, não dá. E é o que somos, nesta greve dos Correios, apenas reféns com quem ninguém se importa. Para ser respeitada, portanto, a greve teria que antes respeitar, nos seus direitos, o indeterminado cidadão comum. Fora disso, pensando bem, prá que monopólio?


José Paulo Cavalcanti Filho
61, advogado no Recife
jp@jpc.com.br

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